28.12.08

PERTO DO FIM...

Encostado a um antigo palacete rústico, já foi uma das adegas mais bem equipadas da antiga vila de Torres Vedras. Mais tarde virou oficina de automóveis, que ainda é.

Agora o velho edifício vai agonizando e já poucos se lembram da antiga grandeza...

(Rua Raimundo Porta)Foto © Méon

22.12.08

Recordar o Padre Américo



PRESÉPIO DE NATAL TODOS OS DIAS

Comece-se a ler Páginas Escolhidas. Ao fim dos primeiros parágrafos, acontece aquilo que só é possível nos grandes escritores: estamos presos ao livro. Que há de assinalável nele? Trazer, transportado de meados do século XX, algo que interpela o que andamos a fazer hoje. A obra coloca-nos, sem aviso prévio, perante o mais fundo dos problemas das sociedades, o da desigualdade e o da indiferença perante a sua evidência. (Luís Fernandes in jornal PÚBLICO, 23 Out 2008)

O livro de que se fala é um conjunto de textos, agora reeditado, que traz para a actualidade a acção extraordinária da Padre Américo, o criador da Obra da Rua e das Casas do Gaiato. Textos escritos por ele, - Pai Américo e Procurador-geral dos pobres, como gostava que lhe chamassem, - que nos transportam ao cerne de uma vivência humana comovente.
Este homem, nascido em 1887 de família abastada de Penafiel, que foi empregado de comércio em Portugal e em Moçambique, torna-se frade franciscano aos 36 anos e aos 42 é ordenado Padre! Vocação tardia, mas muito a tempo de erguer uma Obra que permanece como um hino à solidariedade e ao bem-fazer. Profundamente imbuído do espírito evangélico incarnado por Francisco de Assis, P. Américo vê nas crianças abandonadas dos bairros miseráveis das grandes cidades os meninos do Presépio e transformou em Natal todos os dias do ano. Perante os ricos e os poderosos proclamou desassombradamente os direitos dos marginalizados, os pobres, os mendigos, os doentes sem recursos.
Sem dinheiro e praticamente sozinho, funda as Casas do Gaiato de Miranda do Corvo (1940), Paço de Sousa (1943), Santo Antão do Tojal (1948) e Paredes (1955), além das obras «Património dos Pobres» e «Calvário».
Confia no poder da Palavra. Com ela, vai percorrer o país, acordando consciências, despertando generosidades, suscitando seguidores. Morre, vítima de acidente de viação, em 1956.
Pobre, como escolhera viver. Pobre como as personagens do Presépio.




AS CASAS DO GAIATO

A finalidade de cada Casa do Gaiato é acolher, educar e integrar na sociedade crianças e jovens que, por qualquer motivo, se viram privados de meio familiar normal. No dizer do fundador, P. Américo Monteiro de Aguiar, " somos a família para os que não têm família".A população média de cada Casa do Gaiato é de 150 rapazes distribuídos pelas diferentes idades desde o nascimento até cerca dos 25 anos. São Instituições totalmente particulares vivendo dia a dia o risco evangélico da solidariedade humana.Aceita Voluntariado a tempo inteiro e também a tempo parcial. Neste caso pede-se que sejam pessoas totalmente disponíveis para as crianças e jovens, com sentido de maternidade e paternidade. Naturalmente que será útil terem conhecimentos de pedagogia e psicologia.Quanto aos funcionários são exigidas as qualificações para que são contratados.As actividades de cada casa são sempre orientadas para a realização dos fins em vista proporcionando aquilo que é melhor para o desenvolvimento de cada rapaz: saúde, alimentação, estudos, formação profissional, emprego, férias, tempos livres, cultura...

PRINCÍPIOS PEDAGÓGICOS

1 . Regime de autogoverno: Os chefes são eleitos pela comunidade - OBRA DE RAPAZES, PARA RAPAZES, PELOSRAPAZES.
2 . Liberdade e espontaneidade: " Ninguém espere fazer homens de rapazes domados". "Porta sempre aberta"
3 . Responsabilidade: "Em nossas casas todos e cada um tem a sua responsabilidade"
4 . Virtudes humanas: Solidariedade, generosidade, camaradagem, amor ao próximo "Os mais velhos cuidam dos mais novos"
5 . Vida familiar: "Não somos asilo, nem reformatório, nem colónia penal. Não há nem nunca houve fardas ou uniformes. " A família é o modelo da Obra".
6 . Ligação à natureza
7 . Formação religiosa

(do site A Obra da Rua)



O P. AMÉRICO, ESCRITOR ADMIRÁVEL:

Escreveu, sobretudo, no jornal O Gaiato:

Estas páginas do «Pão dos Pobres» foram escritas muitas vezes, rentinho à cama onde sofrem os irmãos, por isso te feres nas letras e vens acusar a tua presença, no lugar onde eu estiver. Sim, há-de ser o teu livro de horas.
Será dedicado ao Pobre; ao Pobre com letra maiúscula, de sentido absoluto, que abrange a legião dos famintos e dos escorraçados, por amor de quem tenho sangue nos pés e desejaria dar todo o das veias, para melhor os servir e mais perfeitamente os amar.

Como tudo começou…

Esta paixão nasceu-me dentro da alma no tempo em que me ocupava a ver presos na cadeia; e aprendi de cor que aquele homem repelente, dado como incorrigível pelos oficiais da justiça e entregue aos ferros por tempo sem fim – esse homem foi uma adorável criança nascida num berço triste. Aborrecida da Mãe, que viu nele uma desgraça; aborrecida do Mundo que a toma por um ser perigoso – como e a quem podia aquela criança amar?! E aqui mesmo, nesta ausência do amor, começou a série de crimes (?) praticados pelo nosso condenado!

A Casa do Gaiato era a sua casa, a sua família:

Regressar. Depois de uns dias de ausência, no transporte do peso da minha cruz, por becos e vielas de Portugal, o que eu gosto mais é de regressar. Este verbo é bonito e sonoro, sobretudo quando se regressa para Paço de Sousa. Comigo é assim. Ainda vou a caminho e já me sinto aliviado. (…) É o regressar de um mundo que não vive, nem faz caso dos que vivem. Regressar a um mundo espumante de vida e de beleza – o mundo da nossa Aldeia. (…) É por isso que, quando eu venho por aí fora, trago sempre vontade de chegar. Eles chamam-me pai e sabem que eu os amo. Eles são meus filhos e eu sinto-me bem no meio deles. Sinto-me feliz.

Quando o acusaram de não ser como os outros, escreveu:

Eu detesto e abomino essa paz podre das sacristias, que estraga o sol e apaga a luz. O sal é para salgar; a luz para dar claridade. Detesto aquela paz. Por causa dela é que o mundo anda às escuras e cheira a podre. E não sei como se pode andar em paz, debruçado sobre os ficheiros dos arquivos, enquanto que aqueles mesmos que ali têm seus nomes, vivem no mundo sem nomes, ignorados. Não compreendo.

A Obra da Rua edita quinzenalmente o jornal O GAIATO. Os escritos de P. Américo, aí publicados e no "Correio de Coimbra", estão coligidos em livros que podem ser pedidos à editora (obradarua@iol.pt).Livros Publicados: Pão dos Pobres ( 4 volumes); Obra da Rua; Isto é a Casa do Gaiato (2 Volumes); Barredo; Ovo de Colombo; Viagens; Doutrina (4 volumes); Cantinho dos Rapazes; Notas da Quinzena; De como eu fui….; Correspondência dos Leitores

Bibliografia para esta página:
O Pai Américo era assim
, Padre Elias, Gráfica de Coimbra, 1958
Padre Américo – páginas escolhidas e documentário fotográfico, coord. José da Cruz Santos, Modo de Ler – editores e livreiros, Porto, 2008



6.12.08

CHOUPAL E RIO SIZANDRO: a nossa tristeza!


Página LUGAR ONDE no BADALADAS, 21 Novembro 2008

O Rio Sizandro e o Choupal são duas faces do mesmo problema.
O abandono do Choupal por parte da população torriense é uma acusação silenciosa à incapacidade autárquica para resolver o problema do Rio. Não há uma política eficaz de “integração dos recursos naturais e dos valores ambientais no quadro do ordenamento do território”. Porque “os rios são mais do que um simples sistema biofísico. Eles são, e através dos tempos sempre foram, um elemento de cultura e de civilização” (in O RIO COMO PAISAGEM, Maria da Graça Saraiva)
Os projectos para o Choupal estão prometidos há anos e é com cepticismo que aguardamos a sua concretização. Mas, enquanto isso não acontece, achamos inaceitável o estado de abandono do Parque e da sua Bica histórica. Trata-se da simples manutenção e limpeza daqueles espaços, ao lado dos quais passam diariamente centenas de pessoas. É uma tristeza!





Torre Vedras também tem um Choupal!
É um espaço onde o Outono poisa todos os anos com as cores que só ele tem.Mas para que serve? Para estar abandonado! Raramente se vê alguém por lá, apesar de rodeado por zonas habitacionais.





Neste Choupal há uma Bica centenária, com uma inscrição de 1665. Foi valorizada há mais de um ano por uns vândalos, com intervenções artísticas cuidadosamente preservadas pela autarquia local...
Diz Júlio Vieira, na conhecida obra “Torres Vedras, Antiga e Moderna”:
Refira-se ainda o Chafariz de São Miguel, hoje situado no Choupal, cujo nome se deve à igreja de São Miguel, que se encontrava de fronte, ao Sul, na margem esquerda do rio Sizandro.
A sua presença é atestada por uma carta de emprazamento, datada de 1267, relativa a um olival, situado a São Vicente a par do Chafariz de São Miguel.
O chafariz tinha igualmente um brasão de armas moderno, não datado, mas que seria, muito provavelmente, do século XVI, encontrado em um monte de pedras, junto à igreja da Graça.



Ainda podem ser apreciadas as ruínas de antigas gaiolas e capoeiras onde, há vinte anos, viveram alguns animais. E há vestígios de um parque infantil, de um campo de jogos, um coreto sem préstimo e um depósito de água meio arruinado. As casas de banho públicas metem medo…
Porque é que as pessoas ignoram o Choupal?
Talvez seja altura de olhar para o rio que corre ali perto.





O Rio Sizandro está a ser alvo de nova limpeza. Isto é: arrasa-se toda e qualquer vegetação, rapam-se os taludes, mata-se qualquer hipótese de vestígios biológicos. No meio corre um líquido negro, pestilento, com garrafas de plástico, pneus, lixo…
Leia-se o que, a este propósito, escreveu uma estudiosa dos rios:


Sujeitos à poluição e à artificialidade pelas obras de regularização, muitos rios assumem uma degradação crescente que se reflecte no condicionamento das utilizações, no afastamento das actividades urbanas de maior prestígio e na profunda alteração dos sistemas biológicos a eles associados. Canalizados e poluídos, transformam-se em elementos indesejáveis pelas populações e autoridades decisoras do ordenamento do espaço. Quando a sua dimensão o permite, são cobertos e eliminados da superfície do solo, criando-se gravíssimos e crescentes problemas, sobretudo face à ocorrência de cheias e inundações, agravando os prejuízos e efeitos pela obstrução e redução da sua capacidade de escoamento. Quando de maiores dimensões, e, na impossibilidade da sua cobertura, transformam-se em canais artificializados, de cor e cheiro desagradáveis, sem vida animal ou vegetal ou com a presença de vegetação invasora e desadequada ecologicamente. (O RIO COMO PAISAGEM, Maria da Graça Amaral N. Saraiva, Fundação C. Gulbenkian, Lisboa, 1999)
SUGESTÃO

Agora que a estrada para Santa Cruz está a ser alargada, sugiro à população que exija da Câmara Municipal o abate das árvores do Choupal, a substituição da Bica por um bebedouro como o que foi feito na Praça 25 de Abril, o nivelamento por terraplanagem e a implantação, finalmente, da rotunda distribuidora de trânsito de que Torres Vedras tanto precisa.
Torres Vedras tem direito ao progresso, de modo a implementar o desenvolvimento, com vista às sinergias nas duas vertentes concomitantes: o conceito e a atitude! ! !

Fotos © Méon